Prof. Estêvão Mallet expôs em Seminário sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ronaldo Lopes Leal, afirmou, na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília, que é preciso meditar sobre o que é o Direito do Trabalho, porque há uma tendência da elite empresarial de dizer que o Direito do Trabalho só atrapalha os bons negócios, quando se trata, na verdade, de um subproduto do capitalismo. O ministro Ronaldo participou do seminário sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica e Responsabilidade Direta de Sócios e Administradores: Uso e Abuso, promovido pela CNI com apoio do Plano Diretor do Mercado de Capitais, Bovespa, Abrasca, CNI, ANBID, ABRAPP, FEBRABAN, ABVCAP, FIESP, IBGC e CESA. Ressaltando que a legislação trabalhista não foi criada por socialistas, e sim resultado da necessidade de mecanismos de regulamentação das relações entre capital e trabalho, o presidente do TST afirmou que as leis de proteção e garantia ao trabalhador baseiam-se em princípios que não são forçosamente aqueles dos bons negócios. O Direito do Trabalho não pretende atrapalhar os empreendimentos, mas os empreendedores precisam conviver com ele, salientou. O ministro Ronaldo Leal presidiu a mesa do painel que abordou o tema central do encontro sob a ótica do Direito do Trabalho. No painel, dois expositores mostraram aspectos diferentes da chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica que permite a penhora de bens pessoais de sócios e administradores para a satisfação de débitos judiciais, no âmbito da Justiça do Trabalho. A coordenadora foi a ministra Maria Cristina Peduzzi, do TST. O primeiro painelista foi o professor Manoel Antônio Teixeira Filho, da Faculdade de Direito de Curitiba e ex-juiz do Trabalho. Ele lembrou que a despersonalização da pessoa jurídica vem sendo aplicada há bastante tempo na Justiça do Trabalho mas, devido à ausência de norma legal regulamentando o procedimento, ocorreram alguns abusos. Vi casos em que penhoram bens de uma terceira pessoa jurídica da qual um ex-sócio da empresa executada era sócio na ocasião da execução, exemplificou. A situação sofreu modificações com o advento do Código de Defesa do Consumidor, de 1990, que, em seu artigo 28, lista as possibilidades de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica abuso de direito, excesso de poder, infração à lei e outros. O Código de Defesa do Consumidor ampliou de maneira generosa a possibilidade de responsabilização pessoal dos sócios, observou Manoel Teixeira Filho. Alguns setores da Justiça do Trabalho passaram, então, a invocar o CDC em caráter supletivo. O mesmo ocorreu com o artigo 18 da Lei nº 8.884 de 1994, que trata das infrações contra a ordem econômica. O novo Código Civil, de 2002, (artigo 50) também abordou o tema de forma específica. Aqui, porém, o que houve foi a restrição das possibilidades, ressalta o professor, limitando os casos de abuso da pessoa jurídica às hipóteses de desvio da finalidade da sociedade e de confusão patrimonial. Um projeto de lei o PL 2426/2003, de autoria do deputado Ricardo Fiúza pretende regulamentar o artigo 50 do Código Civil mas, na avaliação de Manoel Teixeira Filho, restringe ainda mais a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica. O projeto define, por exemplo, que a aplicação da teoria depende de iniciativa do credor ou do Ministério Público ou seja, o juiz não pode aplicá-la de ofício, explica. Sabemos que, na Justiça do Trabalho, o trabalhador muitas vezes sequer conta com a assistência de um advogado em sua reclamação, e jamais tomaria a iniciativa de solicitar esse procedimento, por total desconhecimento da sua existência, afirmou. Além disso, o PL estabelece que o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor só se aplica às relações de consumo, e o artigo 18 da Lei nº 8.884 restringe-se às hipóteses de infração da ordem econômica. Com isso, extingue-se a possibilidade de utilização subsidiária desses dois dispositivos legais pela Justiça do Trabalho. O professor Estêvão Mallet, da USP, fez a segunda exposição sobre o tema, lembrando que a pessoa jurídica não é uma ficção, e sim um reflexo do desenvolvimento econômico no campo do Direito, e que a despersonalização da pessoa jurídica surgiu para coibir abusos praticados por sócios que usavam a empresa como escudo para encobrir fraudes. Mallet procurou dimensionar o problema ressaltando a proliferação das entidades jurídicas no panorama atual, quando até um táxi pode ser uma pessoa jurídica e, conseqüentemente, a ampla admissão da desconsideração, sem regras definidas. Na sua avaliação, o problema no Direito do Trabalho é potencializado devido à própria CLT despersonalizar o empregador, adotando um conceito econômico o de empresa em vez do jurídico para vincular o contrato do trabalho. A prevalência do crédito trabalhista, de natureza alimentar, e a própria informalidade que caracteriza o processo do trabalho acentuariam as condições para a ocorrência de abusos. O professor da USP defendeu, como seu colega Teixeira Filho, a necessidade de regulamentação adequada da matéria, e elogiou a iniciativa da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (artigo 52 da Consolidação dos Provimentos da CGJT), que estabeleceu alguns procedimentos nesse sentido. Um dos casos típicos que merecem regulamentação são as transações comerciais especialmente compra e venda de imóveis em que uma terceira pessoa, inadvertidamente, adquire um bem e, muito depois, toma conhecimento da sua penhora para saldar dívidas de responsabilidade da empresa do vendedor. A boa fé também é um bem a ser tutelado, concluiu. A ministra Cristina Peduzzi reafirmou a necessidade de disciplinamento legal específico e citou decisões da Justiça do Trabalho para ilustrar as diversas formas pela qual o princípio da desconsideração da personalidade jurídica vem sendo aplicado. A tendência tem sido a de responsabilizar pessoalmente o sócio mesmo quando não configurado o abuso ou a fraude, disse. Comentando as observações sobre o PL 2426/2003, o ministro Ronaldo Leal encerrou o painel afirmando que os operadores do Direito do Trabalho devem pugnar para que o projeto não contenha as impropriedades mencionadas, relativas à restrição da utilização subsidiária de leis mais favoráveis e à vedação ao juiz de determinar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de ofício. O projeto não serve ao Direito do Trabalho e ao processo do trabalho, ressaltou. A Justiça do Trabalho se baseia no primado da realidade, e talvez o processo trabalhista não seja exatamente adequado às normas do Direito Civil. Se a lei tentar esmagar esse princípio da realidade, a Justiça do Trabalho encontrará formas de reagir. É preciso bom senso, antes de mais nada, concluiu.
Fonte: site do TST